quarta-feira, 10 de novembro de 2010

6ª Olimpíada de Redação

No Abismo com asas cansadas

Abri meus olhos e olhei ao redor do quarto iluminado pelos poucos raios de sol que vinham da janela paralela à minha cama, que rangia à cada mínimo movimento meu. Sentei-me com dificuldade e, como de costume, a enfermeira veio checar a minha pressão e me dar os comprimidos matinais, os quais eu não faço ideia de sua utilidade. Eu estava velho, fraco, não havia mais espaço para mim na sociedade, o asilo era minha única saída; a família tinha compromissos demais para poder me fazer uma visita no dia dos pais ou até mesmo hoje, véspera de Natal. A enfermeira chamou a auxiliar, e as duas me colocaram na cadeira de rodas; eu até podia andar, mas algumas horas depois as dores não dariam trégua; elas saíram pela porta e eu fui vagarosamente até a janela observar o jardim; meu passatempo era ficar lá observando a liberdade dos pássaros que viviam voando por ali, em busca de um lugar para fazer um ninho para seus filhotes; isso me trazia à lembrança tempos de dificuldade, quando eu, minha falecida esposa e meus dois filhos viemos tentar uma vida melhor aqui em São Paulo. Com muito trabalho e esforço servi o país no Exército e mudei a situação financeira de minha família, mas hoje, aos 65 anos, filhos casados e bem empregados, sem tempo para ao menos ligar para quem tanto os ama, vejo que não tenho reconhecimento algum pelos anos em que honrei o cargo que ocupava, a profissão de ser pai. Fui literalmente abandonado. Condenado a viver na amargura de me sentir só. Senti uma lágrima relutando em cair, e um nó se formava em minha garganta, a enfermeira entrou no quarto para trazer meu café da manhã, e com as cosas da mão limpei rapidamente as lágrimas que insistiam em cair.
Comi um pouco da metade do mamão, um pedaço do pão com manteiga e tomei um gole do café; foi nesse instante que as garras da solidão levaram-me ao breu profundo, era como se enormes facas atravessassem meu peito, eu quis gritar, mas minha voz relutava em sair, lutei. Lutei pela vida até a última golfada de ar. Tarde demais, a solidão me dominou, levou a luz de meus olhos castanho-amendoados, que traziam a última gota de esperança de viver feliz. A solidão tirou minha vida, mas me mostrou o quanto é difícil se enquadrar no “padrão” da sociedade, cabelos brancos, pele enrugada, dores; toda diferença é vista como anomalia quando o maior medo é viver na frustrante ideia de ficar só.

things of me *-*

Um comentário:

  1. cabelos brancos, pele enrugada, dores; toda diferença é vista como anomalia quando o maior medo é viver na frustrante ideia de ficar só.

    Não consigo nem explicar, ficou Lindo demais ;D

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